"Dizem que você morre três vezes.
Primeiro quando seu coração para.
Segundo quando você é enterrado ou cremado e,
terceiro, quando alguém diz seu nome pela última vez."
Laurie Anderson1.
É conveniente percebermos o quanto a
consciência de Morte é finada na maioria das vidas dos homens
contemporâneos, pouco se fala sobre esse fenômeno tão natural na existência de
um ser, parece até um tabu, mas não é. Eu cresci convivendo (através de filmes
e livros) com os contos de fadas, o mais incrível desses contos é que a
história se concluía com um narrador possuidor de uma grave voz masculina (isso
nos filmes) jurando “e eles viveram felizes para sempre”, essa frase sempre me causou
certo estranhamento, mas ao mesmo tempo um conforto. Um dia eu cresci, e
percebi que essa premissa perante a lógica racional estava totalmente invalida,
(Todo Homem é Mortal. Nós Somos Homens. Logo, Nós Somos Mortais.) percebi que
fui enganado a minha infância inteira, percebi que todo conto, todo livro tem
um fim, também percebi que o longa-metragem infantil sempre terminava
assegurando algo eterno. Pois é, através dessas observações é sensato afirmar
que não é da natureza do Homem viver feliz para sempre, porque a eternidade não
existe, o homem não é eterno, ele nasce, cresce, frustra-se, se angústia e
morre, e o curioso é que ao morrer o falecido lança para os seus entes que
ainda permanecem vivos os sentimentos de angústia, tristeza, choro, entre outras
emoções por não aceitarem a morte do outro.
É muito atraente pensar que a Morte é um
fenômeno natural, mas a nossa atual sociedade que se julga tão contemporânea
parece não encará-la como um acontecimento tão natural assim, o curioso é,
quando se toca nesse assunto é normal brotar um misterioso arrepio que vem lá
do fundo de nossa alma e traspassa para a nossa pele causando pequenos
frêmitos, quando temos que ir a um velório ou enterro então, nem se fale
(principalmente quando assistimos os sofrimentos angustiantes dos entes
queridos do morto). É difícil reconhecer, mas nós estamos morrendo aos poucos,
nas já nascemos com a morte e raras pessoas possuem essa consciência, se cada
um tivesse a impressão de que está morrendo aos poucos e que a idade na verdade
não são contados em ordem crescente e sim em decrescente para esse fenômeno tão
natural, as pessoas talvez vivessem as suas vidas com mais prazer e exatidão.
É através dessas observações que é
fascinante, resgatar para essa reflexão na famosa frase do francês René
Descartes, “Penso, Logo Existo” é interessante compreendermos essa afirmação no
processo social de morte, segundo Descartes o homem só existe enquanto pensa,
se o mesmo não pensa, ele não existe, ou seja, é um sujeito morto, pensando a
partir dessa perspectiva, quando uma pessoa morre, ela não tem a consciência de
que morreu, porque não pensa mais, o fato é quem possui a consciência de morte
é quem ainda está vivo, este ser que ainda continua pensando passa a ser o
responsável pela morte do outro, porque ele terá que matar a existência daquele
que se foi da sua subjetividade, é por isso que as pessoas sofrem tanto,
enquanto o ente querido, que faleceu se encontra levemente deitado em seu sono
profundo, com um suave sorriso exposto em seu rosto, o vivo que está velando
pelo seu corpo sofre, grita chora e até atinge o desmaio, isso acontece porque
somos nós que ainda estamos vivos que matamos o outro, temos que matar a ideia
de que o outro está vivo da nossa consciência e passar a conviver com a ideia
de que ele está morto, é denso, triste, mas é um acontecimento natural, somos
todos assassinos, nós é quem matamos o outro, quando a artista Laurie Anderson
afirma que nós morremos três vezes e que na terceira e última morte é
completada quando alguém diz o nosso nome pela última vez, ela está assegurando
este ponto de vista, ou seja, é o outro quem nos mata quando não estamos mais
presente em sua oração e principalmente em sua consciência. Entrei neste
argumento porque na vida, temos grandes e permanentes oscilações, momentos
felizes, tristes, e um dia tudo isso termina, porque não somos seres eternos,
não somos indestrutíveis, estamos morrendo aos poucos, sumindo regressivamente
acompanhado com a Sra. Morte. É ai que eu me questiono, como um ser desse pode
ser feliz para sempre?!
A Morte. Desenho do Alemão Thornsten Kohnhorst, é como uma sombra que sempre acompanha o homem.
1Enunciado exposto na exposição “I in U / Eu em Tu” de Laurie Anderson.
Centro Cultural Banco do Brasil, São Paulo. Data 12 de outubro a 26 de
dezembro de 2011.
Referências:
Filme - MAR ADENTRO de Alejandro Amenábar.
Livro - Dias Contados - Contos Sobre o Fim do Mundo (Vários Autores).
Livro - FEITOSA, Charles. Explicando a Filosofia com Arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004 il.