quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

“Vodu é pra Jacu”

 
Fonte do Vídeo: Canal AndréBispoVivo

Esse episódio da série Pica-Pau um tanto divertido e ao mesmo tempo curioso apresenta ao espectador um forte estereótipo sobre o Vodu, uma prática religiosa de origem africana (Haiti, Benin) que se desenvolveu por meios de outras influências culturais não só no continente africano, mas também aqui no Brasil por meio de elementos indígenas. Por causa de suas manifestações misticamente exóticas o Vodu recebeu (e recebe até os dias de hoje) muitos ataques etnocêntricos de pessoas que acreditam que a religião de raiz africana possui uma forte ligação com o cara lá de baixo possuidor de múltiplos nomes populares, entre outros, como Cão, Capeta, “Coisa-ruim”, Diabo, Demônio e Satã.
A primeira cena da animação começa com imagens de seres e objetos bem assustadores, tais como morcegos, um abutre possuidor de um olhar hipnotizante e sombrio e crânios espalhados pelo chão; o personagem Jacaré é o “feiticeiro” (que utiliza uma roupa que chama uma atenção bem familiar, ele veste um chapéu em estilo gorro de ponta vertical com uma estrela estampada na ponta e uma curta bata combinando com a cor do chapéu, essa veste lembra muito as roupas do feiticeiro Mago Merlin) que ordena uma espécie de ritual dentro de uma caverna, que só pelo fato de ser uma caverna já transmite uma sensação primitivo, isto é, não civilizado, inculto. A cerimônia é conduzida com a ajuda de um tambor que ecoa um ritmo bem africano unido com a evocação de algumas palavras bem curiosas, e para completar o ambiente místico da toca de pedra primitiva, as velas vermelhas e crânios espalhados e no centro um enorme caldeirão preto com uma substância nervosamente efervescente simbolizando uma espécie de poção miraculosa lança a impressão de que ali acontece algo mágico e exótico, com certeza não deixa duvidada de que ali acontece um ritual cujas intenções são ambíguas.
 Pensar em velas vermelhas, pretas, enfim coloridas nos dias atuais “rende muito pano pra manga”, por serem elementos julgados como ferramenta de macumba ou magia negra, é possível encontrar a prova desse julgamento nas ruas, se um transeunte avista uma vela vermelha acesa em um cantinho de uma calçada ou esquina, esse sujeito prefere atravessar a congestionada rua para chegar à outra calçada e continuar o seu destino só para não passar perto da “macumba”, acreditando que se passar por perto ou até fazer um forte contato visual ele corre o risco de contrair algum mal creditado ali, naquele pequeno e inofensivo território urbano com pequenas velas coloridas e acesas, por esse motivo o desenho se apropria do estereótipo presente nas velas e apresenta durante o seu enredo animado para reforçar o tal ritual voduista.
A única personagem feminina da animação é a encantadora Gina, a Locutora ecoa através de um perigoso microfone para os seus ouvintes uma sucinta introdução sobre o voduismo e o mais curioso é ao afirmar que o Vodu é um ritual praticado por sociedades primitivas, ou seja, não civilizadas, seres primatas; outra cena que chama muito a atenção é a criação de um boneco de Vodu feito pelo feiticeiro Jacaré, isto é, o reforço de que esse “boneco de vodu” (como é popularmente conhecido) existe para prejudicar, machucar através de leves e profundas alfinetadas e até manipular os movimentos físicos de outras pessoas à distância, sendo que na realidade cultural a estatueta para cultos do voduísmo possui a função de curar a distância uma pessoa que possui algum male, a estatueta usada como fetiche absorve a enfermidade de tal modo que a pessoa fica totalmente curada e livre do male espiritual ou físico (Benin).
Agora é interessante oferecer atenção ao sincretismo religioso presente em algumas religiões daqui do Brasil, no Catolicismo, por exemplo, encontramos uma prática realizada por alguns fiéis muito parecida com o fetiche do voduismo que também conta com a utilização de uma estatueta usada em cultos religioso como já mencionado, essa similaridade se apresenta com a imagem de Santo Antônio (Santo Português, no sincretismo religioso é conhecido no candomblé como o Orixá da guerra, Ogum) usado em pequenos “rituais” realizados por moças desesperadamente solteiras (ainda não existe dados se homens também realizam esse tipo de rito com o Santo), segundo as (os) simpatizantes, Santo Antônio possui o domínio de trazer para a moça solteiramente angustiada por não conseguir encontrar o companheiro de sua vida para casar, um futuro esposo, mas é necessário que o devoto cumpra com algumas práticas religiosas para ter o seu desejo atendido, é necessário que a solteira simpatizante cumpra com alguns encantos usando a estatueta de Santo Antônio, ela deve virar a imagem do santo português de cabeça para baixo, dentro de um copo d’água, dizendo que o colocará de pé quando tiver encontrado o seu futuro marido, assim que o pedido é atendido, a contente e satisfeita devota autora do pedido, finaliza o pequeno ritual com uma pequena oferenda para estatueta de Santo Antônio, depositando a sua volta um singelo ramo de flores acompanhado com uma vela acesa, ou seja, um pequeno “ebó” (termo do yorùbá, significa oferenda) como forma de agradecimento pela tão desejada graça alcançada. O fetiche presente entre a imagem de Santo Antônio e a Estatueta Voduista é similar, em suma o Vodu que parece ser tão distante e primitiva possui elementos de culto muito parecido com práticas existente na principal religião do Brasil desde o século XVI.
Tratar de religião é como tratar sobre a origem de tudo e de todos, mas voltando ao desenho, só para concluir esse sucinto ponto de vista, a forma em que o curta se conclui é fabulosa, porque a locutora anuncia a proibição da prática do voduismo sendo vencida pelo encanto do culto apresentado pelo desenho, o famoso personagem Pica-Pau que se demonstrou descrente sobre as práticas do vodu desde o início da animação, no final é transfigurado após ter tido contato com a estanha poção miraculosa criada pelo feiticeiro Jacaré, que também foi vencido e reduzido pelo seu próprio feitiço. A TV apresenta pequenos conteúdos repletos de estereótipos, e muitos passam repetidamente despercebidos, contribuindo para o desconhecimento e contribuindo para o engrossamento do preconceito e da visão etnocêntrica. Então, só para lançar o bom humor que é o ensejo da animação, pondere... “Vodu é pra Jacu”.

Obs.: O Termo Jacu é uma palavra que denomina uma espécie de uma Ave e na linguagem popular designa a pessoa caipira, aquele que culturalmente não é "civilizado" culturalmente dentro da realidade urbana.